quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

O PAI DOS PASSARINHOS

Não sei trinar,
Apenas canto as músicas
Que o rádio cantava
Quando o senhor estava em casa
E eu, no quarto, me trancava.

Não sei voar,
Apenas alço poéticas
Que migram pra cá
Desde que, trancado,
Eu ensaio escapar.

Não sou pássaro engaiolado
Que come na sua mão
E trina alucinado
Ao ouvi-lo assobiar uma canção.

Com comovido carinho,
O senhor interage com o corrupião
Chamando-o de filho
Enquanto troca sua água.

Talvez por desobedecer
A gaiola e sua legislação
E assobiar outras aves e canções,
Tenha eu sido deserdado

Do seu peito, do seu abraço
E, embora alado, eu permaneça
Fora da gaiola que aprisiona 
Você e seus pássaros: teu coração.

PANETONE

O panetone está no centro da mesa
Com seu aspecto de oca.
Com frutas cristalizadas entranhadas,
O panetone ganha o aspecto de mina
Escavada a cada mordida,
A cada mão-picareta que garimpa seus cristais
Para comer, ou não comer,
Pois o melhor é a massa que derrete na boca
E esfarela caindo do canto da boca,
Passando pela gola da camisa,
Pelo decote da visita, pela calça nova
Até chegar ao chão.
Chão que hoje esconde em suas entranhas,
Feito fruta cristalina,
Vó Biluca
Que comia panetone com gula,
Com jazida e tudo mais;
 Tudo religiosamente na ceia
Ou escondida na cozinha
- Quiçá no quarto –,
Pois vó Biluca era muito religiosa
- até na hora de pecar?
E gula e diabetes
Não são bem vistas por Deus
Que hoje vê o panetone no centro da mesa 
Sem cobiça, sem mordida, sem vó Biluca.

CHORO DE HOMEM

"as fronhas são esponjas
De lágrimas secretas"   C.D.A

Fumando um atrás do outro
cinzeiro acumulando escombros
nevoeiro ocupando a sala
até apagar a derradeira brasa

até beber a última garrafa,
bêbado que fecha boteco,
perdido e mijado na sarjeta
com brigas e quedas no corpo

com o corpo cheirando a esquina,
com vômito na saliva,
sem estômago para o espelho
sem coragem pra dobrar o joelho

sem Deus para um conselho
sem alguém para uma bebida
e ninguém para um telefonema
no cárcere da solidão.


E assim, sem a sombra do pai
e o colo da mãe,
acaba na cama solteira
chorando pra ninar o sono.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

A CORAGEM QUANDO EXÉRCITO

A CORAGEM QUANDO EXÉRCITO
A CORAGEM QUANDO BATALHÃO
A CORAGEM QUANDO SÉQUITO

A CORAGEM QUANDO MULTIDÃO
A CORAGEM QUANDO MUITOS
A CORAGEM QUANDO POUCOS

A CORAGEM QUANDO LOUCOS
A CORAGEM QUANDO VULTOS
A CORAGEM QUANDO OCULTOS

A CORAGEM QUANDO VARA
A CORAGEM QUANDO BANDO
A CORAGEM QUANDO TURMA

HÁ CORAGEM QUANDO?
A CORAGEM QUANDO ORGANIZADA
A CORAGEM QUANDO GRITO

A CORAGEM QUANDO ESTROFE
A CORAGEM QUANDO UNIFORME
A CORAGEM QUANDO BRUTA

QUANDO CORAGEM UNITÁRIA,
AFINA E VAZA LÍQUIDA.


quinta-feira, 29 de outubro de 2015

LAR ACRE LAR

Cidade chapada
Lotada e pichada
Cidade cheirada
Atropela e escapa
Carteira assinada
Retirantes e refugiados
Cidade alada
Pombos, pardais e gaiolas
Cidade cardíaca
Pastéis, relógios e maços
Cidade afrodisíaca
Outdoors e neons 24 horas
Cidade cinza
Cimento e escapamento
Cidade túmulo
Do samba e das pipas
Cidade nóia
Da periferia ao centro
Cidade frígida
Do trabalho pra facul
Cidade rígida
Da facul pra academia
Cidade alérgica
Da academia pra enfermaria
Cidade enérgica
Da enfermaria pra UTI
Cidade facínora
Xinga quem te enche a barriga
Cidade puta
Só o dinheiro lhe molha
Cidade andorinha
Nada faz sozinha
Cidade ocupada
Por papelões e gravatas
Cidade paulista,
Onde estão suas crianças?
Cidade flautista,
Levou-as no lugar dos ratos?
Cidade minha
Entre esquinas e cinemas
Cidade minha
Entre bares e dilemas
Cidade minha
Entre Ferraz e Moema
Cidade minha
Entre taxímetro e três oitão
Cidade minha
Terreno invadido
Minha cidade
Não tenho tua escritura
Cidade minha  
Meu lar acre lar.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

5:17 PELO HORÁRIO DE BRASÍLIA


Pelo seu horário 
Levanto da cama 
Pelo seu horário 
Recomeça o drama 
Pelo seu horário 
Lavo o rosto 
Pelo seu horário 
Tomo café 
Pelo seu horário 
Dou no pé 
Pelo seu horário 
Estou atrasado 
Pelo seu horário 
Serei descontado
Pelo seu horário 
Ainda tá cedo 
Pelo seu horário 
Para o regresso 
Pelo seu horário 
O trem já passou 
Pelo seu horário 
O amor atrasou 
Pelo seu horário 
O filho já nasceu 
Pelo seu horário 
A avó já faleceu 
Pelo seu horário 
Passou do ponto 
Pelo seu horário 
Há um encontro
Pelo seu horário
O jogo já acabou
Pelo seu horário
Perco a hora
Pelo seu horário
Beijo sem demora
Pelo seu horário
A janta tá na mesa
Pelo seu horário
A sala está acesa
Pelo seu horário
O calmante chama
Pelo seu horário
Um vizinho reclama
Pelo seu horário
Um carro acelera
Pelo seu horário
A cidade, seu relógio, acerta
Pelo seu horário
Espero um telefonema
Pelo seu horário
Esgotasse a sessão do cinema
Pelo seu horário
Amaldiçoo a falta de tempo
Pelo seu horário
Envelheço e me arrependo
Pelo seu horário
Esqueço do filme
Pelo seu horário
Contraio ciúmes
Pelo seu horário
Uma chacina detona
Pelo seu horário
Uma família abandona
Pelo seu horário
Seu país definha
Pelo seu horário
Um enfarto fulmina
Pelo seu horário
Um casal termina
Pelo seu horário
Um bar se anima
Pelo seu horário
Um cão late
Pelo seu horário
Já é tarde
Pelo seu horário
Pra se chorar o leite derramado.

Pelo seu horário
Sempre se é retardatário
Pelo seu horário
Eu deveria estar deitado
Pelo seu horário
Eu deveria estar calado
Pelo seu horário
Eu deveria estar dormindo
Pelo seu horário
Eu estaria acordando
Pelo seu horário
Eu deveria acertar meu coração
Pelo seu horário
Eu deveria estar no seu horário
Como um relógio
Está no pulso dum médico.
Ouço seu horário
No relógio de parede que,
Pelo seu horário,
Costuma apressar minha mãe
Como se você,
Brasília,
Viesse pro almoço.

sábado, 10 de outubro de 2015

6 PASSOS ALUCINANTES

Aceito o panfleto
Distribuído pela senhora
De sorriso budista.
Nele leio DENTISTA
E, sem demora,
Amasso o panfleto
Como quem quebra os dentes
Dum deus grego
E erro a lixeira
Com um arremesso
Alá NBA
E sigo sem olhar pra trás
Enquanto o DENTISTA jaz 
Convertido em bebedeira.

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

POEMA DE AMOR SEM PUDOR

Seus olhos miro
Sua boca salivo
Seu ventre aliso

Seus seios aperto
Sua virilha lambo

Seu gozo acerto
Sua crina puxo 
Sua vagina sujo
Enquanto seu cu pisca...
Pisca...
Pisca...
E quando mordo a isca,
Ele faz bico
E cara de cu.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

13


Atravessa no vermelho


espanta pombos

assusta alheios

pisa no cão...

Conduzindo cego

seu monólogo com Deus.

DOIS HAICAIS

I

TESO E PESADO
ESMAGO TEU VINHO CACHO
E CAIO BEBAÇO.


II

FOGO NA FACE:
FORJA FAISCANDO FOICE
E FERRANDO COICE.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

ANTIGAMENTE


antigamente eu citava o poente
cantava a lua feito um doente,
nunca via a aurora de bom hálito
e era surrado pelo sol tal hábito.

mofado meu Português falhava
amarelados textos eu respirava,
parecia do sol ter alergia
e com a solidão fazia orgia.

da janela a vida invadia aos gritos...
corações de todas as idades,
palavrões novos, alguns antigos,

e eu acamado, inflamado... Doído
tendo remédios como amizades
e um gosto acre de vômito, não xingo.

MADURO


Amor
quero-te ao meu lado
no escuro do quarto
no murmúrio do mar
na paz do sono
no durante o sono
no despertar
despertar ao teu lado
vendo-te entregue e indefesa
protegida por mim
tão entregue e indefeso
em estado de câimbras
em estado cardíaco
com o pênis
em estado cardíaco também,

mas amor
quero-te ao meu lado
não apenas para ensopa-la
com saliva e loucura,
quero-te ao meu lado
a pedido do meu coração

em estado de fruta madura.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

CAPUZ



O ODOR DE LÁGRIMA
PÓLVORA
LÂMINA
CORDA
GASOLINA
E URINA
ATRAI MOSCAS,
CORVOS E URUBUS
PARA A EXECUÇÃO,
FUZILAMENTO,
CONDENAÇÃO,
ENTRETENIMENTO,
COMEMORAÇÃO
E PAGAMENTO.
NÃO O DO CARRASCO
OU O DO SUBJUGADO.

PARA AMBOS,
A ESCURIDÃO DO CAPUZ.

sábado, 23 de maio de 2015

CAVALO NO TRIGAL

​ASSIM COMO O TRIGO
QUE, ANTES DE MORRER PÃO,
É VENTO A RESPIRAR;

O SANGUE QUE,
ANTES DE ATRAIR MOSCAS,
É QUENTE ALAZÃO,

ASSIM É O AMOR
QUE, ANTES DE DURO PÃO,
É CAVALO NO TRIGAL.

domingo, 22 de março de 2015

TIJOLOS

Empilhados
Rebocados,
Arremessados
Derrubados,

Tijolos.

Alojados no peito duro
Maiúsculos na mão analfa,
Músculos de todo muro
Hematomas na voz içada...

Tijolos.

Barro cozido
Areia unida,
Suor endurecido
Sangue e pedra...

Tijolos.

Mortos empilhados
Idosos rebocados,
Ódio arremessado
Muro derrubado...

Tijolos.

Empilhados
Rebocados,
Arremessados
Derrubados...


Homens.

domingo, 15 de março de 2015

POEMA DOWN



NÃO SE VOLTA DUMA GUERRA DERROTADO
MESMO QUE SE VOLTE ALEIJADO
MESMO QUE SE VOLTE SEM O AMIGO DO LADO
MESMO QUE SE VOLTE COM O FUTEBOL AMPUTADO
NÃO SE VOLTA DUMA GUERRA DERROTADO.                                                                                                 
POR FAVOR, AMPUTE ISSO
COMO UMA BOMBA AMPUTA, DE INOCENTES, A VIDA.
A DERROTA NA GUERRA ESTÁ NA IDA.
RETORNANDO DA GUERRA NOTO QUE O MOTORISTA DO ÔNIBUS
É O MESMO MOTORISTA DE ÔNIBUS
DE QUANDO EU ERA UM COLEGIAL.
NOTO QUE O MESMO VALE PRO COBRADOR
NOTO QUE O MESMO VALE PRA MIM,
AINDA COLEGIAL.
UM DEJAVÚ ENDEREÇADO AO MEU CORAÇÃO.
A ROSA DE HIROSHIMA
A USINA DE FUKUSHIMA
MINHA VIZINHA E SUA COLEÇÃO HIPOCONDRÍACA:
ORA LHE ATACA A FADIGA, ORA A PNEUMONIA,
ORA A DEPRESSÃO, ORA O CÃO, ORA A FAMÍLIA.
MINHA VIZINHA E SUA AURA RADIOATIVA.
NÃO QUERO ME ALISTAR A GUERRA NENHUMA
NÃO QUERO MAIS RESMUNGAR AO CÉU
SEI O PORRE QUE É O ATENDIMENTO AO PÚBLICO.
OS CACHORROS MOSTRAM OS DENTES
QUANDO PISADOS OS RABOS.
MINHAS FERIDAS TINHAM NOMES E ROSTOS
AS CICATRIZES SÓ TÊM A MIM MESMO.
SOU UMA CICATRIZ NA BARRIGA DA MINHA MÃE
(ELA É UMA FERIDA EM MIM)
MEU PAI É CICATRIZ EM MIM
E O AMOR NUNCA CICATRIZA
É SEMPRE CARNE-VIVA
QUE DESATINA, QUE MUDA A MOBÍLIA,
QUE FAZ UM FILME,
QUE MONTA UMA BANDA,
QUE APLAUDE SUA CÔMICA TRAGÉDIA
QUE NÃO TEM DUBLÊ NEM SEGURO NEM PEIXE;
QUE NÃO ACABA QUANDO ACABA A FITA
E VAI À LONA QUANDO DESCOBRE QUE SÃO ATORES
OS LUTADORES DE LUTA-LIVRE.
TANTOS DESTINOS
NOS PONTOS DE ÔNIBUS.
DESTINOS ATRASADOS
DESTINOS QUE ACABARAM DE PASSAR
DESTINOS LOTADOS
DESATINADOS
DESTINOS QUE DÃO UMA VOLTA
DESTINOS QUE DEMORAM
SEJAM MATUTINOS, SEJAM VESPERTINOS...
DESTINOS QUE ENGATAM A PRIMEIRA
E NÃO ENXERGAM VOCÊ NO RETROVISOR
BATENDO EM SUA LATARIA
COM CARA DE QUEM SE ATRASOU.
INÚMEROS DESTINOS
QUE ESPERAM O DESTINO DO COLETIVO
QUE PISA NO TEU CALCANHAR, TE DESCALÇANDO.
CIGANA,
NÃO LERÁS MINHA MÃO DIREITA
TAMPOUCO LERÁS A ESQUERDA.
TAL QUAL MINHA LETRA, MEU FUTURO É.
O QUE ERA PARA AMANHÃ JÁ É PARA ONTEM QUE JÁ É ANTEONTEM
E MINHA VIDA HOJE MUDOU DE NOME,
AO MEU NOME SE DESTINA UMA PEDRA,
MAS MEU SOBRENOME CONTINUARÁ NAS RUAS,
NOS DIAS, NAS BOCAS E NOS OLHOS,
POIS ANDA E CANTA O NOME QUE ESCOLHI.

NÃO HÁ SANGUE NOS OLHOS
NÃO HÁ CHORO NOS OLHOS
NÃO HÁ BANDEIRA VERMELHA REFLETIDA
NEM HASTEADA.
TALVEZ HAJA CONJUTIVITE
NOS OLHOS MARINHOS DELA
ELA E SUA ROTINA METROPOLITANA,
EU E MINHA MANIA DE MIGRAÇÃO.
DE MANHÃ TODOS ESTÃO CANSADOS
CANSADOS DE ACORDAR PELO DESPERTADOR
CANSADOS DO CARA QUE PÕE O DESPERTADOR PARA DESPERTAR
CANSADOS DOS DIAS E SUAS VISTAS COM GRADES
CANSADOS DO ITINERÁRIO
CANSADOS DO DESTINATÁRIO
E DAS HORAS EXTRAS TÃO ORDINÁRIAS.
HÁ QUEM ODEIE O NATAL
HÁ QUEM ODEIE O CARNAVAL
NÃO GOSTAM DE SOL NEM GOSTAM DE CHUVA,
PREFEREM O SOL OUTONINO AO SOL JUVENIL.
TEMEM QUE O CÃO ESTIMADO NÃO ACORDE
QUE A GATA DE VELUDO NÃO RETORNE.
TALVEZ SEJA TARDE PARA ESSAS PESSOAS
E TARDO A NOTAR ISSO
COMO TARDEI A ESCREVER ESSE POEMA,
POIS ESSE POEMA ME VENHO PELA MANHÃ
JUNTO ÀQUELAS ASPIRANTES A ENFERMAGEM
QUE NÃO MOTIVAM A CORAGEM
DE UMA VISITA FORTUITA NA MADRUGA
PARA TROCAR O SORO OU MEDIR A TEMPERATURA
DO MEU DELÍRIO.
TARDO A ESCREVER O POEMA,
POIS ELE VENHO DE MANHÃ
CHEIRANDO A TINTA FRESCA,
AGORA ME LIMPO NESSE PAPEL
ANTES QUE SEQUE EM MIM.

  

sexta-feira, 6 de março de 2015


Cão encanecido

Cão encanecido
Tufo de tecido
Velho, maltrapilho,
Magrelo e sem filho

Costelas a mostra
Fome que destroça
Barba por fazer,
Herdada, sem coser

Hálito gástrico
Entre cães e cãs.
O gris não faz jus
Ao susto no latido.

Cão encanecido
Não rói mais minotauros
E, esquecido,
Perdeu seus ossos enterrados.

Cão encanecido
Até fiquei enternecido.
Somos parecidos,
Também dou meus latidos.