terça-feira, 26 de abril de 2016

TIRED POEM

Ela adormece 
enquanto leio alguns poemas
considerados bons para mim
que leio-os efusivo,
administrando a oratória
e gaguejando pouco,
entoando e sussurrando
tornando o poema marítimo,
embora meus poemas sejam duros,
não saibam dançar 
não tenham ginga
nem sejam providos de música,
mas são dopantes o suficiente
para fazê-la adormecer
enquanto leio poemas nunca ouvidos.

                                        COM  MARIA ONÉLIA

segunda-feira, 25 de abril de 2016

O CLOWN




Vaga pelo vagão
Entoando pregão
Em forma de refrão
Rimando poesia
Com esmola e hipocrisia
O poeta de cara pintada,
Emaranhado numa piada,
Recita seu poema
Escondendo-se do sistema,
Fazendo estratagema
Entre lírico e circense,
farça e romance
Com trejeitos nonsense,
O palhaço trovador
Recita sobre amor,
Solidão e pó
E, terminado seu rondó,
Espera aplausos ou dó
Emendando um xote
E grave deboche
Ao pedir sem rimar,
Uma moeda pra almoçar
E, diante do silêncio em contra-ataque
- Pior que vaias e tomates,
O palhaço esbraveja
- Indignado nem verseja,
Pois é justificável
Poesia tão deplorável
Já que barriga vazia
não carrega poesia.
Assim, o poeta fracassa
Ao manter tristonha careta
Que seria melhor em pirueta
Que em versos sem graça.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

NA COVA

ELES MATAM EM NOME DE DEUS
ROUBAM EM NOME DE DEUS
ESCRAVIZAM EM NOME DE DEUS
ELES ESTUPRAM EM NOME DE DEUS.
ELES COSPEM NOS PRATOS DA FOME
MIJAM NOS POÇOS DA SEDE
ELES CHUTAM OS FILHOS DO SUOR,
ALICIAM AS FILHAS DA DOR
E ENTERRAM HOMENS E MULHERES
FEITO GATOS ESCONDENDO FEZES.

ELES BRADAM, LADRAM, URRAM
E GARGALHAM HIENAS,
TODOS CHEIRANDO A IMPORTADOS,
TODOS TRANSPIRANDO SUÍNOS,
EVOCAM LUGARES E ANÔNIMOS
QUE ALI, POR ELES, SÃO REPRESENTADOS.
QUEM SÃO ELES?
TAMBÉM CHEIRAM A IMPORTADOS?
TAMBÉM LEMBRAM PORCOS?
MATAM, TRAEM, ROUBAM POR DEUS?
QUEM ELES REPRESENTAM?

NAQUELA COVA,
LEÕES DESPEDAÇAM A ESPERANÇA
E HIENAS ROEM A CARCAÇA AOS RISOS.
ESPERANÇA TRAÍDA
ESPERANÇA LARANJA
ESPERANÇA CRIANÇA
CRIANÇA CAÍDA
OFERTADA PELAS MÃOS
QUE UM DIA LHE ABRIGARAM.
ESTRAÇALHADA
POR RATOS E HIENAS
APÓS DEVORADA POR LEÕES
QUE, DA CASA DO POVO,
FIZERAM SUA COVA.

domingo, 17 de abril de 2016

ENCARNADO

ENCARNO O VERMELHO
VERMELHO ENCARNADO
VERMELHO MORDIDO
VERMELHO FERIDO
VERMELHO SANGUE
SANGUE NOS TANQUES
VERMELHO PATERNO
VERMELHO MATERNO
VERMELHO SOVIÉTICO
VERMELHO IDEOLÓGICO
VERMELHO POÉTICO
VERMELHO PATOLÓGICO
VERMELHO PLATÔNICO
- QUIÇÁ ANTIÉTICO -
VERMELHO FEBRIL
VERMELHO CORADO,
QUIÇÁ ENVERGONHADO,
PORÉM VERMELHO,
VERMELHO SUADO
VERMELHO FAMINTO
VERMELHO FRUSTRADO
VERMELHO LÁBIO
VERMELHO ARDENTE
VERMELHO
COR QUE FERVE EM MINHAS VEIAS.

quinta-feira, 7 de abril de 2016

POETA VELHO

O poeta envelhece 
e o peso do corpo vira poesia,
calvície e osteoporose rimam;
perde a conta das perdas,
perdas inerentes ao verso
ao entorse no dorso,
aos olhos infantes 
separados da mãe em plena Sé;
olhos que choram, viram choro e fizeram chorar.

O poeta envelhece
feito o sofá forrado de sulcos,
feito a cama rangente de tanto amar,
feito os livros proscritos na biblioteca
e o Corcel desmanchado no poente ferro velho.
O poeta envelhece
resignado de sonhar 
e lutar por bandeiras:
Seus sonhos foram reduzidos a sebos
e sua bandeira cobre o mendigo no relento.

O poeta envelhece,
mas todo poeta é um velho prematuro,
todo poeta é um príncipe caduco,
todo poeta é um cardíaco maluco... 
Enfermo fujão que faz poesia de qualquer enfermeira.
A velhice não o espanta 
o espelho não o talha,
só lâmina amolada
e poeta sem óculos
e o barbear ganha diálogos de Shakespeare.

O poeta envelhece,
a poesia continua jovem
e sai do banho nua 
pingando sua insolência no carpete da sala,
valendo mais um cálido poema do velho
sempre menino quando poeta.